terça-feira, 10 de abril de 2012

Gestos grandes, palavras poucas

Hoje recebi flores. Nao foi de um namorado, nao foi de um pretendente nem de um amor antigo arrependido. Nao foi um pedido de desculpas de uma amizade que um dia foi rompida. Nao foi um voto de melhoras, nem mesmo sentimentos de pêsames de alguém querido que se foi.

Foi um ato sincero de alguém, que agradeceu por eu entrar em sua vida. Sem falsas intencoes, sem máscaras, sem falsa modéstia. Foram flores mandadas por uma pessoa que conheco pouco e gosto muito. Alguém que me tira sorrisos e me proporciona horas de bate papo agradável. E nao espera de mim nada além de uma boa conversa agradável e um pouco de filosofia cotidiana.

Foi estranho receber flores; tenho 26 anos e nunca tinha recebido flores antes (com excecao das flores que se recebe de decoracao, os vasos de planta verde para casa, nao sabia o que era "receber flores").
Fiquei até aturdida ao abrir minha caixa de correio e ver um cartao da floricultura, dizendo que eu teria que buscar as flores que tinha recebido. Pensei se tratar de uma brincadeira e liguei para confirmar. Tava lá, um vaso me esperando. A atendente me explicou o caminho e disse num tom amavél: "acredito que a senhora que vai gostar das flores. O vaso vem de uma encomenda do estrangeiro. nao sei nem dizer em que lingua foi escrita a mensagem."

Fui cheia de curiosidade e espanto ver o que era. Milhoes de coisas me passavam pela cabeca, mas a primeira delas era: quem as teria me enviado? Pensei em diversas hipóteses e nenhuma me satisfez. Decidi nao especular mais e me deixar surpreender.
Antes da entrada principal da floricultura, há uma cerca de arame mostrando bem o porquê das pessoas encomendarem flores: a floricultura, em primeiro lugar, está ao lado do cemitério. Do lado de lá da cerca de arame, haviam epitáfios com as mais distintas mensagens de consolo, gravadas em pedras de granito e mármore. E flores. Mandar flores para cumprimentar os familiares que acabaram de perder seus entes queridos é a fonte principal, da qual aquela floricultura tira seu sustento.Sempre tive em mente que flores simbolizavam a vida, o renascimento, a primavera, a sensibilidade e o amor. Mas nao apenas: as flores conseguem demonstram aquela intencao de "apoiar os amigos" que a gente nao sabe muito bem como expressar. As flores dizem que a gente se preocupou e faz a gente se sentir menos inutil numa situacao tao trágica como a morte. Especialmente quando a dor da perda de um ente querido nos tira as palavras da boca. Resumindo: flores sao muletas para o nosso medo de nao ter a palavra certa para dizer no momento difícil como esse; elas fazem nos sentirmos menos deslocados.
Aqui na Alemanha as pessoas sofrem de uma doenca gravissima: elas têm uma certa dificuldade em exprimir sentimentos. Nunca vi um homem alemao presentear a mulher almejada com flores. Só em filmes ou na tevê. As flores aqui têm um significado mais trágico que em qualquer outro lugar. das duas uma: ou servem para decorar alpendres, ou decorar túmulos. Levar flores nos bracos significa na maioria das vezes uma fatalidade. Quase nunca há algo de positivo nesse gesto.
Me parece estranho tudo isso. Associar flores apenas com tragédia e morte me deixa pensativa: como nós, seres humanos, somos capazes de deturpar coisas tao belas para o lado mais desagradável que existe: o da dor da perda? E as flores, pobrezinhas, vao substituir o vazio da perda? Jamais. Elas nao fazem diferenca numa hora dessas, nao tiram um sorriso do rosto, nao secam as lágrimas nem enchem o coracao de felicidade de ninguém.
Eu desejaria que as pessoas mandasse mais flores umas para as outras por motivos nobres: felicitacoes por conquistas profissionais ou pessoais, grandes acontecimentos ou apenas para dizer a alguém: "hoje pensei em você e quis botar um sorriso alegre no seu rosto".

Bom, busquei a encomenda, li o cartao: estava escrito em espanhol, por um amigo franco-argelino, que quis apenas me fazer um agrado: ele nao tinha a intencao de me paquerar e muito menos de expressar algo com o gesto que nao poderia dizer com palavras. Quis me agradecer pelas conversas que temos e pelos momentos bons. E eu me deixei surpreender com prazer. Meu coracao se encheu de alegria, meus olhos ficaram úmidos. Fiquei feliz pelo simples gesto. E confesso que pensei, cá com meus botoes: "que bom que ele nao é alemao. Se fosse, receberia essas flores apenas quando nao houvesse mais nada o que dizer." Ou seja, quando eu já nao existisse mais e meus entes queridos precisassem de um consolo que nao pode ser exprimido com palavras. E sim com flores.

quarta-feira, 28 de março de 2012

Nudez premeditada

Pois é! A primavera chegou! Aos poucos as flores comecam a aparecer e os brotos dos arbusto secos vao surgindo e vao lentamente enchendo as ruas de vida. Lentamente o verde vai dominando e os rastros do rigoroso inverno vao sendo encobertos pela essencia primaveril.

Com isso, os alemaes vao ficando loucos. As pessoas se sentem renovadas. Muito comum aqui é a limpeza de primavera: as pessoas reviram a casa de pernas pro ar, trocam moveis de lugar, limpam as 21 janelas de vidro de suas casas, lavam as cortinas, edredons, tapetes e o que tiver pela frente. Muitos comecam organizando armários, tirando roupas que já nao usam e jogando no lixo prospectos de desconto que estao guardados nas gavetas. Outros comecam a se preparar para o cultivo e a jardinagem. Primavera é tempo de flores e de plantar algumas verduras que vao ser colhidas no verao. E isso é extremamente visível quando as pessoas comecam a invadir as casas de contrucao (aqui se vendem flores e materiais de jardinagem nas casas de contrucao, conhecidas como "Baumarkt"). Carrinhos de compras ficam lotados de sacos de esterco e areia, potinhos de plantas e sementes de jacinto.
Tudo que é necessário para praticar a jardinagem e deixar o espírito de primavera entrar em sua vida!

Agora o mais legal é ver como as pessoas ficam realmente insandecidas quando o sol comeca a aparecer com frequencia. Pelo inverno aqui ser rigoroso e cinzento, todo mundo fica empolgado com a chegada do sol. As pessoas comecam a sair com as roupas mais leves, há gente passeando com as criancas, jovens andando de bicicletas por todas as partes e fazendo atividades ao ar livre. Muitos deles arriscam e saem de bermuda, apesar de ainda nao estar fazendo calor. As temperaturas todavia continuam baixas. Mas eles fazem isso pois o sol está a brilhar. Nessa época do ano você já se depara aqui com  pares espetaculares de pernas com bronzeado nórdico que variam do branco azulado para o branco bege. Imperdível.

Agora algo que mais me impressiona é a facilidade com que os alemaes têm em tirar a roupa. Num fim de semana ensolarado, em um gramado de um parque da cidade, nao é raro ver mulheres fazendo topless. Detalhe: temperatura externa está entre 12 e 14 graus Celsius. É o que a gente no Brasil chamaria de inverno.
Há uma represa perto de onde eu moro, onde as pessoas pagam uma entrada e vao para passar suas tardes de fins de semana com a familia. Indo pra lá, vc pode escolher em ficar vestido, mas preferencialmente o ambiente é nudista. E nao fiquem na ilusao de que indo pra lá, você vai ver corpos lindos e sarados. 99% dos que praticam nudismo sao pessoas a partir dos sessenta anos ou criancas. E senhoras extremamente gordas. Nao é lá uma visao muito agradável, diga-se de passagem.
Eu tomo banho de sol sim. Porém, vestida.
 Mas é cultural. Aqui no leste alemao as pessoas nao têm muito pudor. Me lembro de quando fui com meu ex-marido visitar meus pais e resolvemos sair. Ele disse que ia trocar de roupa e assim, sem mais nem menos abriu a mala, tirou uma bermuda de lá e comecou a tirar a roupa. De maneira natural. Eu e minha mae ficamos boquiabertas, nem tivemos tempo de reagir. E ele, depois de trocar de roupa, nos olhou, levantou e disse como se nada tivesse acontecido: vamos passear?

Agora a experiência que mais me deixou constragida passei logo que cheguei. Combinamos com amigos de ir a sauna. Bem, eu só conhecia a sauna no Brasil e nao sabia o que me esperava. Chegando lá, pus o biquini, tomei banho e pus o roupao. Ao entrar na parte da sauna, levei um choque: vi milhoes de pessoas andando de um lado pro outro, assim, completamente nuas! Eu quis entrar, nao conseguia. Tava paralisada. Os nossos amigos passaram na frente e já foram tirando o roupao. Nús. Eu fiquei roxa de vergonha. Meu ex-marido me perguntou qual era o meu problema. Eu olhei ao redor e disse: "voce nao está vendo? Tudo mundo tá pelado! sinto muito, nao dá. Nao tiro a roupa. Eu só entro de biquini." Ele olhou pra mim calmamente: "se você quiser pode entrar de biquini. Mas saiba que assim você vai chamar a atencao. Se quer ser igual, voce tira a roupa." Eu olhei pros amigos que estavam pelados, esperando pela gente. Olhei pros outros, que caminhavam tranquilamente, nus e felizes. Respirei fundo, contei até três e tirei o roupao e o biquini. O que passou pela minha cabeca foi apenas um velho ditado: "Tá na chuva é pra se molhar."

Depois disso, perdi o constrangimento de tirar a roupa na sauna. Foi um tremendo choque, mas tive que me acostumar. Na sauna, tudo é natural e ninguém olha pra ninguém. Ninguém se incomoda se você se depila estilo bigodinho de Hitler ou prefere deixar a mata selvagem dos anos 60. Ninguém verifica o tamanho e comprimento do seu bilau. As pessoas vao para sauna para suar e relaxar. Faz bem pra pele.

Agora uma coisa eu nao me disponho a fazer: topless no parque. Isso já é demais pra mim. Prefiro pensar que as temperaturas entre 12 e 14 graus ainda fazem parte do inverno, como no Brasil. O único que faco de  melhor é ficar observando essa gente e suas loucuras. De preferência, vestida.

terça-feira, 13 de março de 2012

Casa nova, cidade nova, vida nova

Foi por motivo de forca maior que fiquei sem escrever estes dias. Estava de mudanca de Halle para Nordhausen. Nao porém, como alguns pensam, por falta de assunto. Afinal sempre tem-se algo a dizer especialmente sobre alguma bizarrice germânica. O que me faltou foi tempo e a oportunidade de compartilhar com vocês, caros leitores.

Desde que cheguei a essas terras gélidas, me mudei umas trocentas e cinquenta vezes. As pessoas daqui, ao me conhecerem, sempre me perguntam onde eu morava antes. Eu, ao me deparar com a pergunta, retruco com outra pergunta:
    -Antes, quando? antes de vir para cá, ou desde os tempos mais primórdios da minha mísera existência?
Eis uma grande diferenca entre uma coisa e outra. Porque antes de vir para a cidade onde eu atualmente estou, Nordhausen, morei em Halle - na Saxônia-Anhalt - por seis meses. Fiz lá um estágio e me apaixonei pela diva cinzenta (assim é conhecida a cidade). Mas antes disso, morei em Eichsfeld, uma regiao minúscula no estado da Turingia e passei uma breve temporada de seis meses na regiao de Castilla, Espanha. E antes disso tudo, morei no Brasil em três estados diferentes e em diversas cidades. Foram tantas mudancas de casa que perdi a conta. Sou uma nômade desde que nasci.

Manha de outono, em uma ruazinha da "diva cinzenta"
Nao me queixo; muito pelo contrário, acredito que sou como sou, por ter tido vivências incríveis em diversos lugares. Estar sempre de um lado a outro, viajando, mudando, me fez mais independente e autônoma. Mexeu com minha visao de mundo, abriu minha cabeca, me fez aprender na marra. E me fez conhecer um bocado de gente incrível, com historias espetaculares. E lugares cheios de encantos, mistérios e curiosidades.
Sempre me lembro de lugares que passei e sempre caminho olhando pra frente. Desejo conhecer mais, aprender mais e vivenciar mais. E se der, rever os amigos e pessoas que conheci nas minhas caminhadas.
Meu pai me disse uma vez uma frase que me marcou muito. Ele disse que quando você viaja, você só se sente feliz e realizado quando está no caminho, antes de chegar a algum lugar. No caminho, você planeja, cria expectativas, está desejoso por rever as pessoas amadas. O reencontro é algo magnífico!
Porém, depois de alguns dias (ou quem sabe algumas horas?), você sente que algo está faltando. As coisas nao sao como eram antes. Ou sao da mesma maneira como eram antes. E isso, exatamente isso, que quando você estava longe te fez tanta falta, passa a te incomodar. E pouco a pouco, vai dando um comichao, uma inquietude, uma irritabilidade. As ruas, as casas, as pessoas, as árvores, as lojas, nada disso é tao familiar assim. Você se dá conta de que nada te pertence mais. Aí bate uma vontade de calcar as botinas e pôr o pé na estrada. Ou seja: estando longe, você que voltar. E voltando, você quer estar longe de novo. Vai entender.
Mas o ponto é que ele tinha a absoluta razao:

 Só se é feliz de verdade no caminho. Seja o de ida ou de volta.

Muitas pessoas me perguntam se eu vou ficar aqui pra sempre. E eu me pergunto se algum dia serei capaz de voltar. Nao sei a resposta. Estar mudando é divertido, é interessante. Mas nao creio que vou continuar sendo nômade aos 70 anos de idade. Porque viver viajando tem suas inconveniencias também. A bagagem que você tem que carregar é as vezes por demais pesada. Especialmente se você leva muitas coisas consigo. Entao, para facilitar, você vai se desfazendo de algumas coisas que sao suas, para carregar consigo só o essencial. Fazendo isso, você acaba jogando fora uma parte de si, da sua identidade, das suas conviccoes. Você nao muda só de ares: você muda automaticamente um bocadinho do seu jeito de ser. Você muda (geralmente sem querer) seu estilo de vida.

Eu estou numa nova casa e já me sinto diferente do que era há duas semanas atrás, quando ainda estava em Halle. Halle me faz falta, mas nao troco minha nova personalidade camaleonica atual por nada. Vivo aqui. Agora.

Chamei uns amigos e vou fazer uma festa de boas vindas aqui. Aproveitei e pedi uns presentinhos. Nao para mim, e sim para a nova morada. Ares novos, vida nova, coisas novas. E para nao perder um pouquinho da minha identidade, espalhei pelas paredes meus postais favoritos (coleciono postais dos lugares em que estive), meus quebra-cabecas, meus quadros e fotos das pessoas que amo.
A foto do meu pai está na parede do meu quarto. E sempre que a vejo, me lembro de suas palavras: "só se é feliz quando se está no caminho em direcao a algum lugar". Eu olho-a e penso comigo: "Estou no caminho, meu pai. Nunca sai dele. Estou no caminho da descoberta de mim mesma."